Revolta da Chibata: Movimento defendeu mudanças na Marinha
Publicado: 17 Novembro, 2010 - 00h00
Escrito por: CUT BA


Vitor Amorim de Angelo
Especial para Pgina 3 Pedagogia & Comunicao
Na noite de 22 de novembro de 1910, dia em que o marechal Hermes da Fonseca completava sua primeira semana como presidente da Repblica, teve incio no Rio de Janeiro, ento capital do Brasil, a chamada Revolta da Chibata. Protagonizado por marinheiros da Armada brasileira, o movimento defendia, entre outras coisas, o fim dos castigos fsicos aplicados aos graduados da Marinha, como a chibatada, por exemplo.
Os castigos, suspensos pela Armada logo aps a Proclamao da Repblica, foram retomados no ano seguinte como forma de controle e punio dos marinheiros - em sua maioria, negros e pobres. Poderiam receber chibatadas aqueles que cometessem faltas graves, como, por exemplo, o desrespeito hierarquia militar.
Os castigos fsicos, porm, contrastavam com as punies aplicadas pelas marinhas de outros pases a seus graduados e, principalmente, com a fase modernizadora vivida pela Armada brasileira na poca. Embora a escravido tivesse sido abolida oficialmente mais de vinte anos antes, o uso da chibata pela oficialidade branca reproduzia, de certa forma, a mesma relao estabelecida entre os escravos e seus senhores at o final do sculo 19.
A ecloso do movimento
Depois de ferir um oficial a bordo do navio Minas Gerais, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi condenado a receber 250 chibatadas como castigo. O rigor da punio, aplicada sob os olhares da tropa, provocou indignao entre os graduados da Marinha. Desde o ano anterior, quando voltaram de uma misso junto Armada inglesa, os marinheiros vinham se articulando contra os castigos fsicos, tendo, inclusive, formado o Comit Geral da revoluo, liderado por Joo Cndido - o "Almirante negro".
Os marinheiros logo assumiram o controle do Minas Gerais, que estava em trnsito para o Rio de Janeiro, matando quatro oficiais que seguiam a bordo, incluindo o comandante do navio. Na manh do dia 23, j no Distrito Federal, os revoltosos, que haviam conseguido o apoio de outras embarcaes da Marinha brasileira, encaminharam um manifesto ao presidente da Repblica.
Na carta, escrita no dia anterior, os marinheiros afirmavam no poder mais suportar "a escravido dentro da Marinha", declarando-se a favor de uma reforma no "cdigo imoral e vergonhoso que nos rege a fim de que desaparea a chibata [...] e outros castigos semelhantes". O manifesto dava ao marechal Hermes da Fonseca o prazo de 12 horas para responder s demandas dos revoltosos.
Entretanto, o desfecho do movimento s ocorreria no dia 26, quando os marinheiros entregaram os navios, depois de o presidente da Repblica aceitar o fim dos castigos fsicos e sancionar a anistia aprovada pelo Senado no dia anterior. J no dia 27, antes mesmo de suspender o uso das chibatas, Hermes da Fonseca assinou um decreto que permitia a excluso de marinheiros da Armada sem a necessidade de instaurar um processo legal para tanto.
O levante da ilha das Cobras
Com a aprovao do decreto, abriu-se o caminho para a expulso de vrios marinheiros que tinham participado do levante de novembro. Assim, poucos dias depois da rendio, teve incio um novo levante, dessa vez, na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Ao contrrio do movimento anterior, a revolta de dezembro foi duramente combatida pela Marinha, que dizimou boa parte dos revoltosos, mesmo depois da rendio.
Dos sobreviventes, a maioria foi forada a embarcar no navio Satlite, que seguiria em direo ao Amazonas, para trabalhar na produo da borracha. Alguns deles, contudo, nem chegaram ao destino: foram fuzilados a bordo da embarcao. Os demais revoltosos foram presos em calabouos da ilha das Cobras, sendo que, em pouco mais de um dia, apenas dois dos 18 graduados presos ali sobreviveram s condies insalubres do local - entre eles, Joo Cndido.
O destino do Almirante negro, porm, foi melanclico e desprovido de qualquer honra ou glria. Expulso da Marinha sob acusao de estar envolvido com o levante de dezembro, foi internado poucos meses depois como louco no Hospital dos Alienados, de onde s conseguiu sair depois de quase um ano e meio, aps ser absolvido das acusaes que pesavam contra ele por conta do movimento de 1910.
Muito mais que uma revolta
Embora o levante que Joo Cndido liderou tenha entrado para a histria do Brasil como uma "revolta", o movimento de 1910 pode ser considerado um episdio bem mais profundo do que isso, especialmente pelas suas reivindicaes, que no se limitavam luta pelo fim dos castigos fsicos. A ocultao da carta enviada no dia 23 de abril ao presidente Hermes da Fonseca, que veio a pblico tempos depois, certamente contribuiu para conformar uma verso da histria que retirava da Revolta da Chibata seu carter de luta poltica.
O fato de o manifesto ter sido escrito no dia anterior, por exemplo, desmonta a verso segundo a qual o movimento teria eclodido de maneira espontnea, sem nenhuma espcie de organizao anterior. Pelo contrrio, os marinheiros h muito tempo j vinham se articulando para lutarem por mudanas no funcionamento interno da Marinha. Prova disso foi a criao do Comit Geral da revoluo.
Por outro lado, as verses que caracterizam a Revolta da Chibata como um movimento primitivo, instintivo, no se sustentam quando questionamos a razo para o afastamento dos marinheiros envolvidos no movimento de 1910. A expulso das principais lideranas da Revolta da Chibata demonstrou que o poder dos marinheiros estava muito alm do controle dos navios. Da porque, mesmo aps a rendio, o oficialato tratou de exclu-los rapidamente dos quadros da Armada.
O movimento de 1910, portanto, foi bem mais que uma simples revolta, instintiva e espontnea. A rebelio daquela noite no questionava a Repblica nem tampouco lutava pelo retorno da monarquia, como queriam os restauradores. Seu objetivo era instituir uma nova relao de trabalho dentro da Armada e lutar pelo reconhecimento dos pobres e negros da Marinha brasileira como cidados livres e dotados de direitos.