Rede de lideranças denuncia manobra do Senado para votar privatização do saneamento
Um grupo de senadores, deputados e dirigentes de várias entidades está denunciando a manobra do presidente do Senado, David Alcolumbre (Dem-AP)
Publicado: 23 Junho, 2020 - 18h02 | Última modificação: 23 Junho, 2020 - 18h10
Escrito por: SINDAE
Um grupo de senadores, deputados e dirigentes de várias entidades está denunciando a manobra do presidente do Senado, David Alcolumbre (Dem-AP), que colou na pauta de votação o Projeto de Lei 4162, que trata da privatização do saneamento, desrespeitando o acordo firmado entre partidos de só apreciar nesse período de pandemia do coronavírus matérias relacionadas ao combate à doença. A proposta está prevista para ser apreciada nesta quarta (24), em sessão remota, o que impede ampla discussão da mesma.
O projeto foi considerado criminoso e desrespeitoso com o povo pela unanimidade de dezenas de lideranças políticas e do movimento popular e sindical, durante plenária virtual promovida na última segunda (22) pela Federação Nacional dos Urbanitários (FNU-CUT) e o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas). Em mais de quatro horas de reunião o que não faltou foi protesto, sendo firmado um pacto entre os presentes para incentivar que a sociedade faça pressão sobre os senadores para evitar a aprovação da proposta, ou no mínimo postergando sua votação para depois da crise do coronavírus.
Chamados a participar da rede de pressão sobre os senadores, também foi lançado um alerta a prefeitos e vereadores de municípios médios e de pequeno porte, que estariam achando que a privatização do saneamento vai trazer investimentos nessas cidades. Esses locais têm serviços assegurados hoje pelo subsídio cruzado, modelo que transfere ganhos obtidos em grandes sistemas para áreas não rentáveis.
Primeiro prefeito brasileiro a coordenador um plano municipal de saneamento básico, quando gestor do município de Alagoinhas, o deputado federal Joseildo Ramos (PT-Ba) afirmou que o PL 4162 remete o Brasil à idade das trevas, numa alusão à falta de prioridade que o governo dá aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário e à quantidade de mortes pelo coronavírus, coroando com a entrega da água para ser objeto não da vida, mas do lucro.
‘É um crime de lesa pátria”, disse Joseildo, destacando que o Brasil está andando na contramão do mundo, quando mais de 800 cidades, de vários continentes, retomaram de empresas privadas a gestão do saneamento por falta de investimento, tarifas caras e baixa qualidade dos serviços. O também deputado Glauber Braga (Psol-RJ) lembra que o controle da água é do interesse de grandes multinacionais, sobretudo no setor de bebidas, e que o relator do projeto é o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a quem o chama de “Senador Coca-Cola”, por ele ser representante dessa corporação internacional no Brasil.
Além dessa empresa, outros grandes grupos interessados na privatização da água no Brasil são a suíça Nestlé, a francesa Suez, a canadense BRK Ambiental e a americana Aegea, dentre outros, conforme relatou Caroline Rodrigues, da Federação para Assistência Social e Educacional (Fase-RJ). Essas corporações já compraram fontes de água, terras com mananciais hídricos e comandam serviços de saneamento no Brasil. Está o Brasil entregue ao que o deputado federal Edmilson Rodrigues (PT-Pa) chamou de “milícia financeira do mundo”.
Por causa disso, os conflitos pela água no interior do país estão aumentando bastante, com a Comissão Pastoral da Terra tendo contabilizado 276 em 2018, contra 172 em 2016. Caroline lembrou a “guerra da água” em Correntina, no Oeste na Bahia, em 2017, quando ribeirinhos, sem água para suas plantações, se revoltaram com a retirada criminosa de água do Rio Arrojado pela empresa japonesa Igarashi. Nessa mesma região, muito farta em água doce, também estão presentes grupos americanos, chineses e italianos.
A apresentadora de tevê Bela Gil, filha do cantor e compositor Gilberto Gil, também fez coro aos protestos durante a reunião. Disse que “a água é básica para o ser humano, para plantar, para fazer comida. A comoditização do alimento deu errado, temos um bilhão de pessoas passando fome no mundo. Depois vão querer privatizar o ar, é preciso parar a ganância. Sem água não tem vida”.
Os protestos contra o “PL da Coca-Cola”, como alguns estão chamando, também teve eco na deputada federal Alice Portugual (PCdoB Ba), nos deputados federais Afonso Florence, Robson Almeida, Paulo Veras, Frei Anastácio, Nilto Tatto, Paulo Teixeira e João Daniel (todos do PT), mais Gervásio Maia (PSB-PB), além do senador Paulo Paim (PT-RS). Todos disseram estar no corpo a corpo para o convencimento de senadores a votar contra a proposta.
Mas, além deles, também participaram da plenária representantes da Internacional de Serviços Públicos (ISP), Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental (FNSA), CUT Nacional, ASA, Conam, Movimento Baía Viva, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes), Central de Movimentos Populares, MSTS, da Confederação Nacional dos Urbanitários e da confederação latino-americana Contaguas, e dirigentes de vários sindicato do setor, como da Bahia (o Sindae, São Paulo, Rio Grande do Sul, Tocantins, Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco, Rondônia e Paraná, dentre outros. Na difícil tarefa da mediação do evento tivemos o companheiro Jonatas Sodré, nosso representante de base, a companheira Gabriela de Toledo, do Observatório do Saneamento Básico da Bahia, além de Francisca Adalgisa, da Sabesp (SP), e Andrea Matos (RJ).