Julho das Pretas: Mulheres Negras em Luta por Justiça no Trabalho
Publicado: 08 Julho, 2025 - 15h21 | Última modificação: 08 Julho, 2025 - 15h45
Escrito por: Ana Carla Fagundes | Editado por: CUT Bahia
Julho das Pretas é mais que uma data no calendário. É um mês de afirmação política, memória histórica e resistência cotidiana. É tempo de reconhecer que as mulheres negras, mesmo diante de todas as opressões que enfrentam, têm sido protagonistas de lutas fundamentais — inclusive na conquista de direitos para toda a classe trabalhadora brasileira.
Mulheres como Tereza de Benguela, símbolo de organização política, e tantas outras líderes anônimas que, com seus corpos, suas vozes e suas estratégias de sobrevivência, enfrentaram o racismo, o machismo e a exploração, foram fundamentais na luta por condições dignas de trabalho.
Desde a senzala até a greve, desde a faxina até a sala de aula, são elas que sustentam esse país — e continuam sendo as mais excluídas do acesso a direitos básicos, à valorização e ao reconhecimento.
A invisibilidade forçada da mulher negra no mundo do trabalho
A realidade do trabalho no Brasil é marcada por desigualdades profundas — e quando olhamos com o recorte de raça e gênero, os números escancaram a face do racismo estrutural.
Segundo a PNAD Contínua (IBGE, 2023):
- A renda média das mulheres negras é 43% menor que a dos homens brancos.
- 61% das mulheres negras ocupadas estão nos setores mais precarizados da economia — como o trabalho doméstico, comércio informal e cuidados.
- Mais de 25% das trabalhadoras negras estão na informalidade, sem acesso a direitos trabalhistas básicos como aposentadoria, licença maternidade ou férias remuneradas.
- Apenas 0,4% dos cargos de presidência ou direção em grandes empresas são ocupados por mulheres negras.
A mulher negra é a primeira a ser contratada nas piores condições e a primeira a ser demitida em momentos de crise. Essa desigualdade não é casual — ela é herança direta da escravidão, da exclusão histórica e do racismo institucional que se perpetua nas relações de trabalho até hoje.
Mulheres negras: maioria na base, minoria no poder!
No movimento sindical, essa realidade também se repete. As mulheres negras compõem uma parte expressiva das categorias profissionais organizadas — são professoras, agentes de saúde, operárias, servidoras públicas, trabalhadoras da limpeza e da alimentação escolar — mas ainda enfrentam barreiras para ocupar os espaços de decisão.
É fundamental reconhecermos que, apesar da centralidade da mulher negra na força de trabalho, ela ainda não é percebida como sujeito político estratégico. Essa exclusão não é apenas institucional — ela é simbólica, social e reforçada todos os dias pelo silêncio, pela sobrecarga, pela desvalorização de sua contribuição.
O que precisa mudar: caminhos para a equidade racial nas relações de trabalho
Para construir um mundo do trabalho verdadeiramente justo, precisamos inverter prioridades e encarar o racismo como ponto de partida das desigualdades socioeconômicas no Brasil. Isso exige vontade política, compromisso institucional e mobilização social.
A seguir, alguns caminhos fundamentais:
- Adoção de políticas públicas e ações afirmativas antirracistas
É preciso garantir mecanismos legais e institucionais que promovam a presença de mulheres negras em cargos de liderança, concursos, empregos formais, qualificação profissional e formação técnica com equidade.
- Reforma sindical com perspectiva de gênero e raça
É urgente reformular estruturas sindicais que ainda reproduzem exclusões internas. As mulheres negras devem estar nas mesas de negociação, nas diretorias, nos espaços de formulação política.
- Valorização do trabalho reprodutivo e do cuidado
Grande parte das mulheres negras atua em serviços essenciais e não reconhecidos — como o cuidado com crianças, idosos e a limpeza urbana. Essas funções precisam ser valorizadas, protegidas por leis trabalhistas e incluídas nas políticas públicas de proteção social.
- Educação antirracista e combate à violência no ambiente de trabalho
Assédio moral e racismo são práticas comuns contra mulheres negras em seus locais de trabalho. Implementar campanhas permanentes de enfrentamento, canais de denúncia e formação continuada para gestões públicas e privadas é uma necessidade urgente.
- Garantia de acesso à saúde mental e políticas de autocuidado
O racismo adoece. Dados da Fiocruz e do SUS mostram que mulheres negras apresentam índices elevados de depressão, ansiedade e doenças psicossomáticas ligadas à sobrecarga de trabalho e discriminação racial.
Conclusão: pela dignidade e pelo futuro das trabalhadoras negras
O julho das Pretas é um marco que deve nos mover à ação. Não podemos naturalizar que as mulheres que mais trabalham sejam as que menos ganham, menos descansam e mais morrem por causa do racismo e da negligência institucional.
É hora de fazer diferente. De construir um projeto de país onde a população negra seja protagonista de seu próprio destino, e onde a dignidade do trabalho não seja privilégio de poucos.
A luta das mulheres negras não é por inclusão num sistema desigual. É por transformação estrutural.
Por um mundo do trabalho em que possamos viver — não apenas sobreviver.
"Enquanto houver racismo, não haverá democracia."
Ana Carla Fagundes de Carvalho
Secretária de Combate ao Racismo da CUT Bahia