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Expectativas para a juventude negra no Brasil são desafiadoras

“Tão jovem, tem a vida toda pela frente” Quais as expectativas para a juventude negra no Brasil?

Publicado: 08 Junho, 2020 - 09h34

Escrito por: Secretaria de Juventude e Secretaria de Combate ao Racismo

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“Tão jovem, TINHA a vida toda pela frente!”?

Quantas mães, filhas, filhos e viúvas atualmente sentem a dor da paráfrase “Tão jovem, TINHA a vida toda pela frente!”? Essa frase é a realidade quando se trata da juventude negra, as pessoas negras que saem da juventude vivas contrariam as estatísticas. Falar sobre o aumento da expectativa de vida, das variações do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ou do coeficiente de gini é surreal para o povo negro das periferias. A violência contra a juventude negra não é só física, é institucional e, agora mais do que nunca atinge a maioria pobre e preta brasileira.

O Brasil assiste passivamente os assassinatos de jovens negros pela polícia, como o de João Pedro, em sua própria casa do Rio de Janeiro. O menino de 14 anos foi alvejado por um fuzil nas costas enquanto brincava com seu primo. E a inviolabilidade do domicílio prevista na Constituição Federal? As residências faveladas coexistem como cômodo extensor da violência praticada ora pelo Estado, ora pelo crime organizado que o Estado diz combater.

No dia primeiro de junho de 2020, 3 jovens foram assassinados na luz do dia no Bairro da Paz, em Salvador. Lucas Soledade de 20 anos, um dos jovens assassinados, era mototaxista e sua companheira está grávida de 3 meses. No combate às drogas o Estado é racista e diariamente comete “equívocos”, o curioso é que tais equívocos têm cor e ela é, inequivocamente, sempre negra, deixando órfãos de pai, viúvas e famílias sem a principal fonte de renda.

            Especialistas da ONU alertam que a juventude negra é a mais afetada na guerra às drogas. Situada entre o fogo cruzado das favelas, crianças e jovens de idades e históricos de vida diversos têm dia após dia o seu direito à vida e à paz negados. O tráfico de drogas e seu uso, tão comum na sociedade brasileira, tem nas periferias urbanas o vetor da violência estatal e do desprezo do povo. “Tava ali, boa coisa não era”, dizem muitos sobre adolescentes que têm a mesma idade de seus filhos de cor branca, empatia com jovens negros? Jamais vimos.

Especialistas na Lei de Drogas dizem que, sem escolaridade e distantes das oportunidades do mercado, o tráfico de drogas termina configurando a única saída para a obtenção trabalho e renda de muitos jovens que, vítimas de uma política que pacifica pelo tiro e não pelas letras, são convidados ao crime organizado antes mesmo de alcançarem a idade do discernimento.

Sob o pretexto da guerra às drogas, que bem poderia ser chamada de guerra a população negra e às favelas, o estado invade e mata buscando o controle do território, a luta entre o tráfico e as forças de segurança pública faz como vítima toda uma classe trabalhadora invisibilizada. A mesma classe que também sonha e luta para sobreviver. Assim, para cada operação de combate ao tráfico, o saldo negativo sempre sobra para quem não tem culpa pelo processo histórico que os levaram a sua atual condição.

Não adianta negar, há em curso no Brasil um genocídio e há muitos anos ele vêm sendo legalmente encoberto. E o que é um genocídio? É o assassinato friamente calculado de grupos étnico-raciais. Todos já ouvimos falar do genocídio de vários povos em países conhecidos, pois eles acontecem, geralmente, em momentos de guerra e barbárie, no Brasil, entretanto, ele ocorre em plena civilização, e o pior: diariamente!

Não há justificativa plausível para a crueldade escancarada praticada pela polícia contra a juventude de cor desse país. É preciso centralizar esse debate com urgência e exibir para aqueles que acusam o movimento antirracista de segregacionista a comoção destinada à morte de qualquer jovem branco em contraposição à cegueira dissimulada quando o mesmo ocorre com jovens negros.

O coronavírus chega rasgando o véu da igualdade quando mostra quem tem direito ao confinamento remunerado e quem precisa sair de casa arriscando sua saúde e a dos seus entes para não perder o seu ganha-pão. Assim, devemos nos perguntar: Quais são os trabalhos mais vulneráveis ao contágio por essa doença mortal? Que pessoas ocupam esses cargos? Motoristas, entregadores, porteiros, seguranças, empregadas domésticas, caixas de supermercados, dentre outras categorias semelhantes em termos de renda e jornada, que estão na lista de alto grau de exposição ao covid-19.

Levantamento feito em 2019 pelo IBGE mostra que a população negra era até o momento a maioria entre os trabalhadores informais, justo aqueles que precisam sair do isolamento social para obter renda. À realidade dessas pessoas o governo oferece o surreal: um aplicativo de celular que exige acesso a internet para solicitação de um auxílio emergencial, pesquisa apresentada no dia 29 de abril de 2020, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 30% da população não tem acesso a internet em casa. Diante disso, vale lembrar que quase 100 milhões de brasileiros não têm acesso sequer a serviços de saneamento básico como coleta de esgoto. É o sarcasmo como política de Estado.

No dia 4 de Maio de 2020, sob pressão dos movimentos negro, a justiça Federal do Rio de Janeiro determinou que as notificações de casos e mortes devido ao coronavírus contivessem,  obrigatoriamente, informações a respeito da raça e da cor dos infectados. Dias depois a determinação foi suspensa a pedido da União.  Essa decisão mostra como as políticas públicas no governo Bolsonaro têm desconsiderado as desigualdades sociais do país e sinalizam para a falta de coordenação entre as instituições e entes públicos, impossibilitando dessa forma um mapeamento sério de quem morre e quem vive nesse momento, mesmo já havendo um compilado de pesquisas que apontam que a população negra, principalmente com baixa escolaridade, são mais acometidas ao COVID-19 e apresentam sintomas agravados.

Se antes a expectativa de vida da juventude negra periférica já era uma incógnita, devido à violência enfrentada cotidianamente, com a precarização das relações de trabalho caminhando em paralelo ao contágio pelo coronavírus, corre-se o risco de se ter deixado a juventude negra exposta ao abismo de se tornar uma geração perdida, desprotegida e clandestina, sem os mesmos direitos essenciais garantidos aos demais cidadãos, e assim perpetuar o atual estado de descaso por mais décadas.

  

Gilene Pinheiro
Secretaria de Combate ao Racismo - CUT Bahia

Iana Aguiar
Secretaria de Juventude - CUT Bahia