Defender a Previdência é Lutar pela Vida Digna
Publicado: 24 Janeiro, 2025 - 10h11 | Última modificação: 24 Janeiro, 2025 - 10h19
Escrito por: Ari Aloraldo do Nascimento | Editado por: CUT Bahia
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Nas últimas semanas, uma avalanche de editoriais, artigos e análises ressurgiu pregando a urgência de uma nova “reforma da Previdência”, justificando-se com o envelhecimento populacional e o aumento das despesas. Sob a lógica fiscalista, propostas já conhecidas retornam com nova roupagem, mas o mesmo objetivo: sacrificar quem menos pode. Essa narrativa insiste em omitir as verdadeiras causas dos problemas financeiros, transferindo o peso da solução para os mais pobres.
Desde a promulgação da Constituição de 1988, a Seguridade Social sofre ataques constantes que visam desmantelar um dos maiores avanços sociais do Brasil. A Emenda Constitucional 103/2019 exemplifica esse processo, ampliando o tempo de contribuição em mais de cinco anos para muitos trabalhadores e trabalhadoras, reduzindo valores de benefícios e impondo novas regras de pensão por morte. Não se mencionam, entretanto, as causas estruturais do problema: a desoneração da folha de pagamento, as isenções fiscais injustificadas e a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que drenam recursos vitais. Este cenário é agravado pela falta de fiscalização adequada, precarização do trabalho e o desmonte de estruturas de proteção social.
Impactos Profundos das Reformas Passadas
As reformas passadas, em especial a de 2019, atingiram desproporcionalmente os mais pobres, ampliando desigualdades sociais já existentes. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 65% das pessoas que vivem com benefícios previdenciários recebem apenas um salário-mínimo. Esses trabalhadores enfrentam condições de trabalho precárias, muitas vezes em atividades braçais, que dificultam o cumprimento das exigências de tempo de contribuição e idade mínima. Vale destacar que as mulheres, especialmente as pretas, encontram ainda mais dificuldades para acumular o tempo de contribuição necessário, em função das jornadas dupla e tripla e do trabalho doméstico.
Um levantamento realizado pela Receita Federal em 2022 aponta que a DRU – Desvinculação das Receitas da União, mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% dos tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas, subtrai anualmente cerca de R$ 120 bilhões das contribuições sociais, recursos que deveriam estar financiando a saúde, a assistência social e a previdência. Em uma década, isso representa uma perda acumulada de R$ 1,2 trilhão. Esses recursos seriam suficientes para fortalecer programas sociais e garantir benefícios dignos à população mais vulnerável.
As Verdadeiras Causas do Desequilíbrio
Enquanto os defensores das reformas argumentam pela necessidade de ajustes para equilibrar as contas, ignoram deliberadamente as causas estruturais do desequilíbrio. A desoneração da folha de pagamento é um exemplo claro. Nos últimos anos, essa medida retirou mais de R$ 400 bilhões da arrecadação destinada à Seguridade Social, beneficiando setores empresariais sem que houvesse uma contrapartida efetiva em geração de empregos formais. Além disso, o Brasil é um dos poucos países que ainda não tributa dividendos e distribuições de lucros, resultando em uma perda anual de aproximadamente R$ 60 bilhões, segundo estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).
Outro mecanismo que drena recursos é a distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP), que permite que lucros empresariais sejam tratados como despesa financeira, reduzindo a base de cálculo do Imposto de Renda. Em 2021, essa medida representou uma perda de R$ 50 bilhões para os cofres públicos. Em contrapartida, o trabalhador e trabalhadora comuns são penalizados com uma alta carga tributária incidente sobre o consumo, que pesa mais sobre as faixas de renda mais baixas.
Precarização do Trabalho e Seus Efeitos
A Reforma Trabalhista de 2017, que prometia modernizar as relações de trabalho, resultou em aumento da informalidade e na precarização das condições laborais. Dados do IBGE revelam que mais de 40% da população economicamente ativa está na informalidade, sem acesso a benefícios previdenciários. Essa situação é agravada pelo desvirtuamento do MEI (Microempreendedor Individual), utilizado por muitas empresas para mascarar relações empregatícias, reduzindo custos e eliminando direitos trabalhistas.
A terceirização irrestrita é outro fator que contribui para a fragilização do mercado de trabalho. Além disso, o Brasil conta com apenas 1.900 auditores/as-fiscais do Trabalho, um número muito aquém do necessário para combater fraudes e irregularidades. Estudos estimam que seriam necessários pelo menos 6.000 auditores/as para garantir uma fiscalização eficiente.
Impactos nas Vidas Reais
O impacto das reformas e da falta de investimentos na Seguridade Social é sentido diretamente na vida da classe trabalhadora. Regras como idade mínima elevada e a exigência de contribuição por períodos mais longos condenam milhões de brasileiros e brasileiras à exclusão previdenciária. Trabalhadores/as rurais, por exemplo, enfrentam condições climáticas adversas e uma expectativa de vida significativamente menor, o que torna praticamente impossível cumprir os requisitos exigidos para aposentadoria.
Mulheres são particularmente afetadas pelas mudanças, especialmente as que acumulam jornadas triplas de trabalho. Além do trabalho formal e doméstico, muitas atuam em atividades informais para complementar a renda, o que dificulta a contribuição regular para a Previdência. Estudos mostram que apenas 30% das mulheres pretas conseguem se aposentar com o tempo mínimo de contribuição.
A ausência de programas eficazes para integração de jovens no mercado de trabalho também agrava o problema. A falta de oportunidades formais faz com que grande parte dessa população comece a vida laboral na informalidade, comprometendo toda a sua trajetória contributiva. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que mais de 50% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos trabalham sem carteira assinada.
Convocação para a Luta
A CUT propõe um debate amplo e democrático sobre a Seguridade Social no Brasil, revisando estratégias de financiamento para garantir os direitos fundamentais da classe trabalhadora. Isso inclui eliminar os privilégios do grande capital, combater a evasão fiscal e reduzir desigualdades tributárias. É urgente revisar a política de desonerações e tributar grandes fortunas e dividendos para ampliar os recursos destinados à Seguridade Social.
Além disso, a CUT defende o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização trabalhista, com a contratação de mais auditores/as-fiscais e a ampliação de programas de combate à informalidade e ao trabalho análogo à escravidão. É necessário também reverter os efeitos das reformas de 2017 e 2019, retomando os direitos trabalhistas e previdenciários que foram suprimidos.
A partir de 2025, a pauta da Previdência voltará ao centro do debate. A CUT convoca estados, ramos e sindicatos para se unirem nessa luta. É necessário construir uma mobilização nacional capaz de barrar retrocessos e propor soluções que priorizem os mais vulneráveis. Juntos, precisamos combater as propostas que perpetuam desigualdades e reafirmar o direito a uma aposentadoria digna. Defender a Previdência é defender o futuro do Brasil.
No Dia do Aposentado, celebramos aqueles que construíram nosso país e renovamos nosso compromisso de lutar por dias melhores para todos os trabalhadores. A Seguridade Social não é apenas um direito; é um pilar fundamental para a justiça social e a dignidade humana. Não mediremos esforços para garantir que ela continue a cumprir esse papel.
Ari Aloraldo é Secretário Nacional de Pessoas Aposentadas, Pensionistas e Idosas da CUT