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AÇÃO SINDICAL, TRABALHO E RACISMO NO BRASIL ATUAL

Em artigo, Gilene Pinheiro, Secretaria de Combate ao Racismo, destaca a relação entre a atuação sindical e os desafios na luta contra o racismo estrutural

Publicado: 05 Novembro, 2021 - 00h19 | Última modificação: 08 Novembro, 2021 - 18h34

Escrito por: SECRETARIA DE COMBATE AO RACISMO | Editado por: Gilene Pinheiro  

ARTE - CUT BAHIA
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NOVEMBRO É NEGRO!

                                                                                                   

As agendas sindicais foram historicamente marcadas pelo compromisso de lutar contra as mazelas de seu tempo, sejam elas emergentes ou oriundas de outros períodos, como é o caso da luta antirracista que, apesar de ter raízes na história colonial do Brasil, está longe de reverberar os seus efeitos atualmente, os quais pioraram drasticamente com o advento da pandemia de Covid-19 no início de 2020. Estabelecer as ações e políticas sindicais guiadas pelo antirracismo significa um trabalho árduo, de atenção a todas às áreas sociais atingidas por esse mal: saúde, educação, emprego, renda, violência, etc. Assim, como poderão os sindicatos agir pela melhoria das condições de trabalho para a população negra, quem mais sofre nesse sentido? homens ou mulheres? Pesquisas recentes alertam que nas atividades com risco de morte, os maiores alvos são os homens negros, há dados também relativos a perca do poder de compra com a inflação altíssima gerada pelo desgoverno atual, que corrói os baixos salários das chefes de família negras, situadas na base da injusta e cada vez mais estática pirâmide social brasileira.

Nesse tempo sombrio em que estamos inseridos, onde a retirada de direitos sociais parece não ter fim, e cujas previsões de agravo concretizam-se cada vez mais, há povos e grupos sociais sofrendo com muito mais intensidade, são eles os que já vinham sofrendo há séculos da exploração, do preconceito e da discriminação: negros, negras, indígenas, idosos, mulheres e crianças que, quanto mais racialmente escuros em sua pele e diverficados em etnia, a exemplos dos povos indígenas, mais excluídos de qualquer possibilidade de dignidade e desenvolvimento no tecido social brasileiro.

Afoito com o fim da pandemia, o mercado desenvolve nas surdinas, com seus aliados ocupantes das altas instituições nacionais, medidas neoliberais cujo único objetivo é sequestrar a coisa pública em prol do interesse privado, a pandemia continua com níveis elevados de morte, mas muitos já se mostram ansiosos com a retirada de direitos como o retorno das gestantes ao trabalho presencial, a contratação sob novos regimes de exploração- vide “carteira verde e amarela”, uberização dos postos formais de trabalho, desmonte dos serviços públicos e avanços assustadores na destruição das formas de combate à corrupção, a exemplo da emenda constitucional que alterou recentemente a Lei de Improbidade Administrativa, fazendo assim, com que a mesma classe político-empresarial de sempre, composta em sua maioria por velhos homens brancos, continue a sequestrar os cofres públicos, e consequentemente as verbas sociais, em prol de sua ganância por acúmulo de capital.

A ação sindical deve se preocupar com duas das consequências menos comentadas advindas do isolamento social, fruto da pandemia: o processo de aceleração e concentração do jogo político-comunicativo nas redes sociais e a virtualização do trabalho que trouxe consequências distintas para classes sociais variadas, com o esgotamento físico e psíquico para aqueles que conseguiram manter seus empregos ainda que no modo remoto, com ou sem redução de sua remuneração, pois o que se observou em ambas hipóteses foi o aumento de trabalho e maior pressão por resultados, além da fome, da alta da informalidade e da necessidade de se recorrer ao crime para sobreviver nas condições cada vez mais hostis de vida que o Brasil oferece às classes historicamente mais pobres (negros e negras) e recém-empobrecidas, até então classes médias nos idos de 2003-2015.

O Brasil atual é aquele que protagoniza manchetes causadoras de pavor e asco: resgate de mulheres e crianças em condições de trabalho escravo em empresas de diversos setores, empregadas domésticas mantidas em cárcere por seus patrões em residências situadas em bairros-nobres, a violação de convenções coletivas de trabalho, contratações abusivas, demissões sem causa e violação explícita para com as obrigações trabalhistas, muitas das quais respaldadas pelo discurso presidencial que, mesmo após as constantes provas de seu fracasso, insistem em levar o povo a fazer escolhas fatalistas como direito ou trabalho, fome ou escravidão, jornada exaustiva ou desocupação.

É preciso lembrar, conforme nos ensinou Lélia González (GONZALEZ, 2018), que a desigualdade não é uma consequência da pandemia, uma vez que o processo acumulativo de capital, funciona, nas engrenagens da sociedade brasileira, em estereita relação de dependência sine qua non da exploração do povo negro, pobre e periférico em seu sentido urbano e rural.

A ação sindical precisa materializar a sua agenda antirracista em frentes amplas e multifocais. Não se pode permitir que a ideologia dominante neoliberal, com seu jogo de sons e luzes nos maiores canais de tv, se apropriem das questões identitárias como vêm fazendo de modo a subtrair-lhes o caráter do sexismo e da luta de classes, tão marcante em um país onde vários estados e municípios, através de seus poderes legislativos coloca o trabalho doméstico como essencial em meio a uma pandemia, afinal, como a casa grande irá lavar a louça?

Ao contrário do que os nossos governantes propagam a nível doméstico, não há motivos para se ter otimismo no que se refere a retomada do crescimento econômico, dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) mostram que a pobreza extrema avança nessa região ao mesmo tempo em que a conclama acerca da urgência da criação de um estado de bem estar social nos países do bloco, nesse sentido, afirmou a ex-secretária executiva da comissão: O apelo da CEPAL para um novo pacto social está mais atual do que nunca: a pandemia é um momento crítico que redefine o que é possível e abre uma janela de oportunidade para deixar para trás a cultura do privilégio”. É portanto contra essa cultura de privilégios que a ação sindical deve ser erguer, no sentido de desmascará-los na medida em que o universo do trabalho nacional reveste-se de discursos falaciosos como o da meritocracia, a qual, como já se sabe, não existe sequer em países de igualdade social plena, como os da península escandinava, portanto, porque haveria de existir em uma sociedade ex-escravocrata e atualmente racista e estratificada como a brasileira? É a essa questão que devemos responder com urgência e clareza para aqueles pelos quais lutamos.

 

Referências

Pandemia provoca aumento nos níveis de pobreza sem precedentes nas últimas décadas e tem um forte impacto na desigualdade e no emprego | Comunicado de imprensa | Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

 

GONZALEZ, L. A mulher negra na sociedade brasileira: uma abordagem político-econômica. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras. São Paulo: União de Coletivos Pan Africanistas (UCPA), 2018. p. 34–53.

 

GILENE PINHEIRO
Secretaria de Combate ao Racismo