Escrito por: Ana Carla Fagundes
Julho das Pretas é mais que uma data no calendário. É um mês de afirmação política, memória histórica e resistência cotidiana. É tempo de reconhecer que as mulheres negras, mesmo diante de todas as opressões que enfrentam, têm sido protagonistas de lutas fundamentais — inclusive na conquista de direitos para toda a classe trabalhadora brasileira.
Mulheres como Tereza de Benguela, símbolo de organização política, e tantas outras líderes anônimas que, com seus corpos, suas vozes e suas estratégias de sobrevivência, enfrentaram o racismo, o machismo e a exploração, foram fundamentais na luta por condições dignas de trabalho.
Desde a senzala até a greve, desde a faxina até a sala de aula, são elas que sustentam esse país — e continuam sendo as mais excluídas do acesso a direitos básicos, à valorização e ao reconhecimento.
A invisibilidade forçada da mulher negra no mundo do trabalho
A realidade do trabalho no Brasil é marcada por desigualdades profundas — e quando olhamos com o recorte de raça e gênero, os números escancaram a face do racismo estrutural.
Segundo a PNAD Contínua (IBGE, 2023):
A mulher negra é a primeira a ser contratada nas piores condições e a primeira a ser demitida em momentos de crise. Essa desigualdade não é casual — ela é herança direta da escravidão, da exclusão histórica e do racismo institucional que se perpetua nas relações de trabalho até hoje.
Mulheres negras: maioria na base, minoria no poder!
No movimento sindical, essa realidade também se repete. As mulheres negras compõem uma parte expressiva das categorias profissionais organizadas — são professoras, agentes de saúde, operárias, servidoras públicas, trabalhadoras da limpeza e da alimentação escolar — mas ainda enfrentam barreiras para ocupar os espaços de decisão.
É fundamental reconhecermos que, apesar da centralidade da mulher negra na força de trabalho, ela ainda não é percebida como sujeito político estratégico. Essa exclusão não é apenas institucional — ela é simbólica, social e reforçada todos os dias pelo silêncio, pela sobrecarga, pela desvalorização de sua contribuição.
O que precisa mudar: caminhos para a equidade racial nas relações de trabalho
Para construir um mundo do trabalho verdadeiramente justo, precisamos inverter prioridades e encarar o racismo como ponto de partida das desigualdades socioeconômicas no Brasil. Isso exige vontade política, compromisso institucional e mobilização social.
A seguir, alguns caminhos fundamentais:
É preciso garantir mecanismos legais e institucionais que promovam a presença de mulheres negras em cargos de liderança, concursos, empregos formais, qualificação profissional e formação técnica com equidade.
É urgente reformular estruturas sindicais que ainda reproduzem exclusões internas. As mulheres negras devem estar nas mesas de negociação, nas diretorias, nos espaços de formulação política.
Grande parte das mulheres negras atua em serviços essenciais e não reconhecidos — como o cuidado com crianças, idosos e a limpeza urbana. Essas funções precisam ser valorizadas, protegidas por leis trabalhistas e incluídas nas políticas públicas de proteção social.
Assédio moral e racismo são práticas comuns contra mulheres negras em seus locais de trabalho. Implementar campanhas permanentes de enfrentamento, canais de denúncia e formação continuada para gestões públicas e privadas é uma necessidade urgente.
O racismo adoece. Dados da Fiocruz e do SUS mostram que mulheres negras apresentam índices elevados de depressão, ansiedade e doenças psicossomáticas ligadas à sobrecarga de trabalho e discriminação racial.
Conclusão: pela dignidade e pelo futuro das trabalhadoras negras
O julho das Pretas é um marco que deve nos mover à ação. Não podemos naturalizar que as mulheres que mais trabalham sejam as que menos ganham, menos descansam e mais morrem por causa do racismo e da negligência institucional.
É hora de fazer diferente. De construir um projeto de país onde a população negra seja protagonista de seu próprio destino, e onde a dignidade do trabalho não seja privilégio de poucos.
A luta das mulheres negras não é por inclusão num sistema desigual. É por transformação estrutural.
Por um mundo do trabalho em que possamos viver — não apenas sobreviver.
"Enquanto houver racismo, não haverá democracia."
Ana Carla Fagundes de Carvalho
Secretária de Combate ao Racismo da CUT Bahia