Escrito por: CUT BA
O professor assume papéis que não deveriam ser dele
DIEGO DAMASCENO
Pode-se dizer que foi o destino, mas no o acaso,que levou Deivison Fiuza a realizar Carregadoras de Sonho, filme sobre o cotidiano de quatro professoras de Sergipe. Jornalista, assessor de imprensa do Sindicato dos professores da rede particular de ensino da Bahia.
Como cineasta, tinha realizado o curta Casa de Anjo,em 2007, sobre duas crianas abandonadas. Foi numa exibio deste filme que ele recebeu o convite de outro sindicato, o Sintese, que rene professores de educao bsica de Sergipe, para fazer um filme. Fiuza pediu liberdade para trabalhar. Depois de uma pesquisa com mil professoras, escolheu quatro como personagens. Na entrevista, sempre que quis do filme, Fiuza acabou falando de educao.
Por que saiu da Bahia para filmar em Sergipe?
Fiz um curta em 2007 chamado Casa de Anjo. Ele teve uma insero grande em movimentos sociais. Trata da vida de duas crianas de rua de Salvador.
Numa exibio, no Rio de Janeiro, em 2007 ainda, o presidente do sindicato dos professores de Sergipe estava na plateia e eles queriam fazer um filme em Sergipe, mas no sabiam como. Da surgiu o convite. Inicialmente, era um pequeno documentrio.
Eles no tinham noo do que queriam. Queriam uma coisa mais simples.
A envergadura maior do projeto fui eu que os convenci a fazer, aos poucos.
O sindicato interferiu no filme?
O sindicato viu o filme pronto, uma semana antes do lanamento.
No interferiu em nada.
Foi uma aposta muito grande deles. E eu queria evitar um filme panfletrio, sindicalista, cheio de bandeiras, no queria essa linguagem.
Quando eles me chamaram, perguntei se queriam um filme para exibir para professores ou para a sociedade. Queriam chegar sociedade. Ento, falei que eles iriam falar com uma sociedade acostumada com o Exterminador do Futuro 3, com a era 3D, com uma qualidade de imagem que hoje grande.O pblico muito exigente em termos de imagem, som. Ento, esse filme diferente de um filme que o movimento social est acostumado a fazer.
Foi difcil dirigir as professoras?
Uma das coisas que pedimos ao ator que internalize o personagem.
No caso de documentrio, o personagem j ele, ele no precisa internalizar a vida, mais fcil. Ento, dissemos faa exatamente como fez ontem. O que fizemos foi acompanhar um dia da vida real das professoras.
Nada foi feito para ficar bonito.
A rotina do filme a rotina verdadeira. Tem professoras que saem de casa quatro e meia da manh. Duas e meia a gente j estava l.Adisponibilidade em falar de sua prpria vida foi marcante.
Tem outros projetos?
A Revista Frum vai distribuir 15 mil cpias do filme nacionalmente.
E como essa revista muito lida por movimentos sociais, sindicatos, a gente acredita que isso estimule outras instituies a usarem o cinema como ferramenta de comunicao. Que os movimentos sociais usem essa ferramenta artstica para se comunicar.
Esperamos que surjam convites. Por hora, vou comear agora umcurta-metragem de fico, em Sergipe.
Uma das professoras compara a escola pblica com a privada.Os problemas se repetem?
Ela diz que na escola pblica falta infra-estrutura e condies de trabalho.
Mas que ela tem liberdade de ser professoras.
Mas que, na particular, tem muita estrutura, muito material, mas no tem liberdade de ser professora. Ela precisa cumprir metas como se fosse funcionria de uma multinacional. Isso acontece muito no ensino privado. Os professores tem que seguir uma cartilha que diz aquilo que os empresrios consideram adequado para aquela instituio.Osproblemas so diferentes. Salvador possui umas dez escolas privadas consideradas de grande porte, masnamaioria os salrios so baixos. E h o problema do clientelismo. O professor tem clientes,no alunos.Ele visto como um prestador de servio.Que est ali para cumprir uma misso e satisfazer a necessidade do aluno. Na escola pblica, a relao diferente, mas o respeito ao professor decaiu muito.
O filme foca nas dificuldades dos professores. Resolv-las levaria necessariamente resolulo de outras questes?
Os problemas so tantos que resolvendo um, no se resolve os outros. Primeiro, a academia est muito distante da realidade. Ela prepara os estudantes para uma realidade ideal. Mas a vida real totalmente diferente. No filme, uma professora diz que ningum avisou que ela precisaria andar em pau-de-arara para ser professora.O professor assumiu papis que no deveriam ser dele. Hoje, ele mdico, psiclogo, at pai e me.Os alunos vo para a sala com problemas de casa, independentemente de sua classe social. No setor pblico, o filme denuncia: o aluno com fome, espancado em casa.
Na escola particular, h a carncia dos alunos, filhos de pais que trabalham muito e no tm tempo de conversar com os filhos.
Fala-se muito de poltica, mas o que a sociedade pode fazer? O nmero de pessoas que trabalha para ter uma sociedade melhor muito grande. Mas essas no aparecem. Elas deviam ter mais espao. A prpria mdia deveria reconhecer essas pessoas. Algum famoso que comete um assassinato tem que ser noticiado.Mas uma pessoa que tem um exemplo bom, tambm deveria ficar uma semana nas manchetes.
Fazer o filme deu ou retirou suas esperanas?
Renovou. Eu vi que existem pessoas que esto trabalhando pelo bem.
Ser professor no Brasil um sacerdcio. A recompensa em termos financeiros no existe. No pelo salrio. Elas acreditam que podem contribuir com a transformao da sociedade.
Educar um aluno para essas professoras um momento sem igual. Essas mulheres renovaram isso em mim, que vale a pena acreditar e continuarlutando.
Que reao espera ao filme?
No queremos que a sociedade ache bonito, que os professores so coitados. O professor precisa ser reconhecido profissionalmente. Ele perdeu autoridade. Infelizmente no visto como colaborador da educao. S como transmissor de conhecimento.
Os professores no devem ser vistos como coitados.
Eles precisam ser reconhecidos profissionalmente